A Emergência da Mulher: Re-Visões Literárias sobre a Açorianidad
Irene de Amaral
O projeto “Açorianidade” — ou identidade açoriana — foi apresentado pela primeira vez por Vitorino Nemésio (1932). Trata-se assim do plano pessoal do académico e escritor terceirense para afirmar a mundividência de uma região isolada e ligada a outros lugares e culturas em virtude da sua localização geográfica. Desde a afirmação da sociedade açoriana, a questão da identidade das Ilhas tem vindo a desafiar muitas das conceções convencionais de um cânone português uno, precisamente porque o projeto açoriano pressupõe uma atividade menor no sentido de Deleuze e Guattari(1975). A emergência e urgência de personagens femininas no âmbito da ficcção açoriana podem muito bem ser entendidas como parte de um projeto de afirmação identitária regional, mas também se podem interpretar como uma forma de refletir sobre o indivíduo. Isto é, a atenção sobre as dinâmicas pessoais e interpessoais da mulher integra-se numa discussão mais alargada do que se entende por identidade e minoria. Sendo que, implicitamente também aqui se questiona o posicionamento dos homens. Os contornos culturais, históricos e geográficos que circundam as vivências das mulheres também sublinham a especificidade açoriana; ao mesmo tempo que contribuem para o reconhecimento da dimensão universal da cultura açoriana, principalmente se o universal for percebido como a afirmação da diversidade em prol da humanidade — homens e mulheres.
Pretende-se aqui compreender como os discursos literários açorianos da responsabilidade de autores e autoras têm vindo a revelar a libertação progressiva da mulher; até ela se tornar capaz de verbalizar os seu corpo e destino de fêmea. Assim sendo, a começa-se por discutir a perspetiva falocêntrica da mulher açoriana enquanto ingrediente fundamental da especificidade açoriana. Ora como uma representação ideal de contornos coletivos, ora enquanto conceptualização carnal, a mulher açoriana começa por servir a afirmação da alegria ou do aviltamento. De seguida, o olhar crítico demora-se no destino das personagens femininas da escrita açoriana de Vitorino Nemésio e de autores como: Urbano de Mendonça Dias, João de Melo, Madalena Férin ou José de Almeida Pavão. São personagens que surgem a reclamar maior liberdade, na medida em que a sua configuração tem origem na clara noção de uma violência disfarçada exercida sobre a mulher, pela tradicional aceitação do seu papel marginal. De facto, o último capítulo mostra o sucesso do projeto poético de Vitorino Nemésio, como uma estratégia cultural que reforça a possibilidade efetiva de se afirmar a mulher através do seu corpo e voz/escrita, a partir das Ilhas. A decorrer do diálogo verdadeiro e literário entre Vitorino Nemésio e Margarida Victória Jácome Correia, foi possível conceber-se um espaço para a emergência da voz da mulher e do questionamento do segundo lugar que lhe foi sendo destinado na sociedade açoriana.