Divagações do meu sentir
C. M. Rodrigues
“Comecei a sentir-me esvair, os joelhos a tremer e o corpo a inclinar-se perigosamente para a frente na projecção do lago salpicado por incontáveis pingos de chuva. A minha hora parecia ter chegado e de repente tombei literalmente de cara na água gelada e escura. Senti a pressão pela ausência de oxigénio, as minhas mãos pareciam tolhidas por uma força invisível que não permitia libertar-me do desespero gerado pela fobia do afogamento. Os olhos ameaçavam saltar-me das órbitas e na tentativa vã de respirar, ingeria água em catadupa, não sabia que morrer custava tanto e sim, sentia-se a desfalecer, a apagar-me…” “Loucura, loucura, para quem tem idade para ter juízo, loucura de pretender almejar o inatingível aos olhos da moralidade e bons costumes, loucura pelos pensamentos pecaminosos que assaltam este pobre indigente pela singela ideia da pretensa evasão. Os sons dos violinos nos meus ouvidos assemelham-se ao Ding Dong que acompanha o bailado das amarelas campainhas tocadas ao vento nas tardes primaveris. Tudo me parece enlevo, desde o chiar da carroça, ao ronronar do gatinho que se roça nas minhas calças, até ao zurrar do burro no palheiro.”