Naufrágios na Costa de Esposende
José Eduardo de Sousa Felgueiras
NAUFRÁGIO
«Tarde mui serena.
Os confins do Poente.
Ofuscam uma luz, uma fornalha ardente,
E o sol, num baço foco de centelha,
Vai dando às águas uma cor vermelha.
‘Stá sereno o mar. O espaço reverbera
Em breve, surgir medonha atmosfera.
Grossas nuvens, nuvens d´agua e ventanias.
Cingem o dorso escuro, e fugidias,
Vão-se aglomerando em forma hórrida,
Como alta e ‘scarpada serra erguida
O mar ulula: e sinais de grã procela,
Vão cobrindo a tez à lua pálida,
Coberta por um véu de cor esquálida.
Ao longe, zurze a vaga rancorosa…
Que faz prever uma noite tenebrosa:
O trovão surdino estruge no Ocidente,
As águas vão tomando fúria ingente.
E os leões-do-mar, os pescadores,
Que conquistam os mares de fronte erguida,
A quem o peito se trespassou de dores,
Vendo morrer as forças, exaurir a vida,
Levantam coro, e oram ao Altíssimo,
P’ra que os livre das garras do Oceano,
Desse monstro, desse antro de leão hircano,
Do abismo de Neptuno fecundíssimo.
Mas… o sol deixou há muito de brilhar,
Agora só se ouve o vagalhão do mar!
Surge o tufão, quasi inesperadamente,
Que horrorisa o coração daquela gente.
E em redemoinho, o fervor do escarcéu,
Os pescadores depressa surpreendeu…
Enfurece as águas Neptuninas,
Como rancor de feras viperinas…
E o batel em breve tempo mergulhou,
N’aquele abismo, já tudo se afundou!
E deste grande naufrágio
De muitos espinhos, horrores,
Entre martírios e dores,
Apenas um sobreviveu:
Dos vinte e cinco infelizes
D’entre destroços, escarcéus,
Salvou-se um só: Santo Deus!
À morte um só fugiu, venceu!...
E então, depois de consumado o drama,
Que horrível noite…Que triste panorama!...
Mas a Caridade, o popular arcanjo,
Desdobra o seu manto. E o Santo Anjo,
Socorre a viuvez e a orfandade!...
Seja bendito o Anjo da Caridade!...
Salvé! Salvé! protector da Humanidade
Álvaro Pinheiro,
In “NAUFRÁGIO” (18 de outubro de 1888)