ParaTi, Campeão!

Ana Maltez

Eu conhecia mal a Ana, quando ela pediu para falar comigo, e me contou o que estava a viver. Dela conhecia apenas a simpatia e educação, a capacidade de aprendizagem rápida, a determinação em tornar-se boa profissional. E foi com o tom de sempre, a linguagem física de sempre, essa descrição que a torna suave, que me pediu autorização para sair mais cedo. E explicou-me então porquê. E fui confrontado com o tipo de situação que mais me enerva: aquela em que não posso fazer absolutamente nada.
Orgulho-me das minhas capacidades de decisão. Gosto que a vida e a profissão me coloquem desafios, pelo simples prazer de os resolver, ou fazer tudo por isso. Mas a Ana trouxe-me outra coisa. O confronto, não ainda com a morte, mas talvez pior. A sua expectativa imparável. Como ninguém nos prepara para isto, não sabíamos, ambos, como agir. De que falar. No pouco que podem as palavras, fui talvez bruto. Tratei, desde cedo, de a confrontar com o que me parecia ser inevitável. Lembro-me de a olhar de frente, e perguntar: sabes como é que isto vai acabar, não sabes, Ana? Claro que sabia. Por mais que a queimasse pensar nisso. E ela sabe que lho disse apenas para ela estar minimamente preparada. Para logo a seguir lhe dizer, como um doido contraditório, que nunca estará, nunca estaremos preparados.
Puxados à força à terra, a contemplarmos a brutalidade de tudo isto. Ela preparou-se, e hoje sabe que não estava preparada. Atravessamos os dias, mantemo-nos ocupados, essencialmente, para não pensar na morte. Sabemos que está lá, no fundo do caminho, à espera. É das poucas certezas que nos acompanharão sempre. Mas perdoem-me a franqueza crua: há mortes mais justas que outras. O exemplo de injustiça incrédula que nos traz a este livro é dos mais terríveis que nos possa ocorrer, e aquele que mais tememos. Quando a morte estilhaça um grande amor. Há, ainda, e mais dramática, a questão da proporção. Sete anos de amor quando se anda pelos vinte e cinco é de matemática simples. É caso para não nos lembramos de como éramos sem o outro. A Ana não tem que esquecer o Rafael, até pela absoluta impossibilidade. Mas tem de seguir caminho. Trazê-lo sempre consigo, mas permitir que a vida sopre os seus mistérios.

Rodrigo Guedes de Carvalho, Jornalista

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