Ribacôa

José Ferreira Marques

Chuviscava, ao sair da modista naquele dia de São Martinho. Adosinda estugou o passo, esquivando-se à morrinha miúda que o vento enrodilhava, e encaminhou-se para o Café Central, onde combinara encontrar-se com o pai. À entrada do café, deixou cair a sombrinha na atrapalhação de a fechar. Instintivamente, sorriu, em agradecimento ao esbelto militar que se apressou a apanhá-la. Num exagero teatral, o homem ofereceu-lhe a sombrinha com as duas mãos, mas um lampejo de avidez traiu-lhe o olhar.

Percebendo que era o seu corpo que aqueles braços desejavam, Adosinda sentiu-se estremecer. Os olhos do estranho trespassavam-na, desvendando segredos que ela própria desconhecia. Sentiu-se possuída por aquele olhar cruel, mas sorriu, admirada de não sentir vergonha. Quando ele a amparou, apercebendo-se da vertigem, Adosinda não conseguiu disfarçar o rubor que a avassalou até à raiz dos cabelos. Como poderia controlar o alvoroço do seu corpo, se os muros onde aprisionava a fantasia se desmoronavam?

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